Henrique Dias: o herói negro do Brasil que a história apagou

Por Pintor não identificado - scan de Museu do Estado de Pernambuco, Coleção Museus Brasileiros, edição Banco Safra, 2003, Domínio público
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Henrique Dias não entrou para a história pelas mãos dos livros — entrou pela força da espada, da honra e da resistência. Em 1648, ao ver Pernambuco ameaçado, reuniu um exército de negros escravizados e foi à guerra com uma única condição: que seus homens fossem libertos. Venceu. Foi condecorado. Fundou um dos pilares do Exército Brasileiro. E, ainda assim, seu nome foi enterrado pelo silêncio histórico.

A origem de um guerreiro esquecido

Henrique Dias nasceu em Pernambuco, no final do século XVI, filho de negros libertos. Desde jovem, conviveu com as tensões sociais, econômicas e raciais que marcavam o Brasil Colônia. Quando os holandeses invadiram o Nordeste, dominaram cidades, destruíram igrejas e massacraram civis. Era o início de uma guerra sangrenta em terras brasileiras.

Com os portugueses enfraquecidos e o território sob ataque, a resistência precisou ser forjada a partir da aliança entre três pilares: nobres portugueses, índios comandados por Felipe Camarão e negros liderados por Henrique Dias. Foi a gênese de um exército verdadeiramente brasileiro — diverso, improvisado, determinado.

Um exército negro em nome da liberdade

Henrique Dias fez algo até então impensável: reuniu escravizados para formar um exército. Convenceu as autoridades portuguesas de que, se quisessem resistir, precisariam da força dos que até então eram invisíveis. Transformou camponeses e trabalhadores cativos em soldados armados e disciplinados.

Mas seu objetivo era mais profundo do que uma simples vitória militar. Desde o início, exigiu uma garantia ao rei de Portugal: se ganhassem a guerra, seus homens deveriam ser libertos. Henrique Dias lutou por liberdade coletiva, não por glória individual. Foi a primeira grande alforria coletiva da história do Brasil, conquistada no campo de batalha.

Guararapes: o nascimento da pátria e da resistência

Por Victor Meirelles – User:Wmpearl, 2013-12-26, Domínio público

A batalha decisiva aconteceu em 1648, nos Montes Guararapes, em Pernambuco. Os holandeses, com tropas profissionais e táticas europeias, marcharam para dominar de vez o território. Mas foram surpreendidos por uma força que usava a terra, o clima e a guerrilha a seu favor.

Henrique Dias estava na linha de frente quando foi atingido por um tiro de arcabuz, que destruiu sua mão esquerda. Recusou-se a deixar o campo de batalha. Disse aos soldados: “Me basta a mão direita para defender minha terra e meu rei.” E seguiu lutando.

Não parou ali. Comandou forças em Iguaçu, participou do cerco de Recife, e foi decisivo na expulsão dos holandeses do Brasil.

Conquistas, recompensas e a desobediência heróica

Autor Desconhecido – LIMA, Jose Ignácio de Abreu. Compêndio da História do Brasil, 1895., Domínio público

Pela bravura, Henrique Dias recebeu do rei Dom João IV o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo, o posto de Mestre de Campo e terras que hoje formam parte do bairro do Derby, em Recife. Mas sua maior vitória foi a confirmação da promessa: seus soldados foram libertos e passaram a receber pensões militares.

No auge da guerra, o rei ordenou um cessar-fogo. Henrique Dias recusou-se a obedecer. Escreveu diretamente aos holandeses: “Pernambuco é minha pátria e não vou desistir dela. Se necessário, morrerei lutando.” Ignorou ordens da Coroa para continuar combatendo. Venceu — e fez história.

Por que Henrique Dias foi apagado da história?

Apesar de seu papel central na formação do Brasil e do Exército, Henrique Dias foi silenciado nas narrativas oficiais. Diferente de heróis populares, ele era monarquista, católico e leal à Coroa — um perfil que não se encaixava nas construções ideológicas posteriores, especialmente em discursos de viés progressista ou republicano.

Seu heroísmo negro, sua liderança e sua lealdade não serviam a nenhuma narrativa dominante. Foi retirado das salas de aula, dos monumentos e da memória coletiva. Seu nome sobrevive quase exclusivamente nos círculos militares, onde é reconhecido como um dos fundadores simbólicos do Exército Brasileiro.

O Brasil é feito de heróis esquecidos

Henrique Dias representa o Brasil real — contraditório, diverso, corajoso. Um homem negro, liberto, que usou sua voz, sua espada e seu sangue para lutar não apenas por uma terra, mas por um povo. Se a história não fez questão de lembrar, cabe a nós recontar.

Relembrar Henrique Dias é mais do que um ato de justiça histórica. É uma forma de reconhecer que o Brasil que temos hoje foi construído por mãos negras — inclusive aquelas que, mesmo feridas, não soltaram suas espadas.

Referências

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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